Violência contra a Mulher; um campo de pesquisa e uma luta por direitos humanos. Parte l

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Foto Reprodução

A violência contra as mulheres remonta os períodos mais longínquos da história da humanidade, como por exemplo, podemos observar vemos nessa citação de Pitágoras: Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher (BEAUVOIR, 2009). No Brasil, no período da colonização, com a chegada dos portugueses e seus costumes fortemente patriarcais, foi imposto às mulheres uma clausura que restringia sua vida ao lar e às atividades religiosas.

A partir do final do século XX as feministas americanas utilizam a palavra gênero como uma forma de definir a organização da sociedade em relação ao sexo. A palavra apontava uma rejeição a um determinismo biológico implicado no uso do termo “sexo”, sublinhando aspectos relacionais que normatizavam questões ligadas a feminilidade. De acordo com este entendimento, homens e mulheres eram definidos reciprocamente, de forma relacional e sem possibilidade de compreensão de um todo em separado.

O conceito gênero, como categoria de análise, foi proposto por pesquisadoras que acreditavam que essa interferência epistemológica seria capaz de transformar os paradigmas consagrados no seio de diferentes disciplinas. Não se tratava somente de uma nova temática, mas de um novo apontamento crítico partindo de premissas que poderiam alargar noções e conceitos tradicionais validados historicamente, incluindo nessa ampliação a experiência pessoal e subjetiva em relação às atividades públicas, privadas e políticas. Uma tentativa de fazer parte da história oficial e não criar, em paralelo, uma história das mulheres (SCOTT, 1989).

Somado ao conceito de gênero, articularam-se dois outros, o de classe e o de raça. Esses três eixos teóricos, compõe uma perspectiva feminista interseccional, que encontra eco em muitas epistemologias feministas estadunidenses e europeias. O termo interseccional foi cunhado pela estadunidense Kimberlé Crenshaw e em suas palavras, “[a] interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação” (2002, p. 177).

Crenshaw está mais interessada em pensar a interseccionalidade como uma sobreposição de eixos de opressão, que dialoga com o problema de injustiças cometidas no momento de julgamento em cortes dos Estados Unidos. Ampliando a capilaridade do conceito e, associando-o à ideia de marcadores sociais de diferenças, ele aponta para a construção dos fatores responsáveis pelas desigualdades de poder.

Supostamente, esses eixos se articulariam com facilidade mas a prática não se deu dessa forma. Enquanto a categoria de classe está amparada na complexa teoria de Marx, as categorias de raça e gênero não se vinculam com facilidade aos conceitos previamente estabelecidos.

Se por um lado não há unanimidade entre os que utilizam o conceito de classe, por outro, na categoria de gênero, estão contidas muitas posições teóricas divergentes, algumas ainda fazendo referências descritivas das relações de sexo. Se para Beauvoir (2009) nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade e é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino.

Para Butler “a distinção entre sexo e gênero sugere uma descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros culturalmente construídos. Supondo por um momento a estabilidade do sexo binário em sua morfologia e construção” (2003, p.24). Sendo assim, o gênero não está para a cultura como o sexo para a natureza, porque ele também é pré discursivo, uma superfície politicamente neutra sobre a qual age a cultura (BUTLER, 2003).

Existem inúmeros caminhos pelos quais transcorrem os estudos feministas que vão desde da construção de conceitos novos, passando pela desconstrução dos temas e interpretações masculinas, micro-história, com respaldo na antropologia e na psicanálise que incorporaram a dimensão subjetiva da narradora.

Mas foi só na década de oitenta do século passado, a partir de reivindicações do movimento feminista mundial que aqui no Brasil se restringiram a temática da violência de gênero, naquele momento, em especial a violência contra a mulher. Essa passa a ser uma nova área de estudo e ação com destaque para as esferas da segurança pública, da saúde e do Judiciário (PASINATO,2009).

Na teoria sociológica clássica, a definição e a análise da violência surgem associadas aos conceitos de controle social e do papel do Estado, sendo assim esses estudos sobre a violência encobriram durante muito tempo outras manifestações violentas marcadas pela assimetria de poder, em especial entre homens e mulheres, questões relacionais ou questões de gênero, no âmbito público ou privado (BORDIEU, 2019).

Ao escolher o uso da modalidade violência de gênero, entende-se que as ações violentas são produzidas em espaços relacionais, com cenários históricos culturais não uniformes. A centralidade das ações violentas incide sobre as mulheres em suas diferentes formas: física, sexual, moral, psicológica, patrimonial em ambientes públicos ou privados. Não se trata de vitimizar as mulheres em situação de violência, mas em fazer um recorte histórico sobre a que corpos essa violência se impõe.

Dessa forma, na agenda do movimento feminista brasileiro a violência de gênero, contra a mulher, ganhou relevância tornando-se sua principal identidade, o que hoje faz reverberar o diálogo entre espaços de militância, academia, organizações não governamentais, poder público e sociedade civil.

Existe ainda parte do movimento feminista que discute se gênero conforme abordado anteriormente designa a categoria mulher. Quando Scott (1989) fala em categoria de análise não esta necessariamente propondo uma cissão com o conceito mulher. Mas a partir do uso corrente do termo, o sujeito do feminismo é colocado em xeque e segundo Butler “(…)além das ficções fundacionistas que sustentam a noção de sujeito, há um problema político que o feminismo encontra na suposição de que o termo mulheres denote uma identidade comum(…)” (2003, p.20).

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